domingo, 26 de janeiro de 2014

Comrade J - Pete Earley

Você talvez já deva ter ouvido falar na teoria do "Inverno Nuclear". E você com certeza já deve ter ouvido falar que o HIV foi um vírus criado artificialmente em laboratórios dos Estados Unidos. Mas se você se interessa minimamente por espionagem internacional, você já ouviu que essas e muitas outras teorias foram criação de um elaborado esquema de desinformação planejado friamente pela KGB, que tinha a manipulação da opinião pública por meio de criação de mitos e histórias falsas entre suas especialidades.
Teorias da conspiração sempre existiram. Depois da internet então, o trabalho de checar validade de fontes e informações precisou ser redobrado. Muita coisa se fala por aí. Mas não era uma mentira quando você soube que o Obama fuxicava a senha do seu facebook e também espionava a chefe de estado do seu país. Essas forças atuam sorrateiramente. E Comrade J é um livro excelente para aqueles que não aceitam a coincidência como explicação pra tudo.
A história da criação do livro por si só já é fantástica. O jornalista e romancista Pete Earley certo dia recebeu uma ligação de agentes do FBI dizendo que tinham um contato especial que desejava uma entrevista. Pete não estranhou, já que tinha no currículo dois livros que foram produto de entrevistas com agentes-duplos norte americanos fieis à URSS, os famosos casos de John Walker, que passou informações de segurança à KGB durante vinte anos, e Aldrich Ames, o agente de inteligência norte-americano de mais alta patente a trair o seu país. Ao chegar no local combinado, um quarto de hotel cheio de agentes do FBI e da CIA, se encontrava mais um traidor disposto a contar sua história, só que dessa vez do outro lado.
Sergei Tretyakov era o chefe das operações da SVR (agência sucessora da KGB após o colapso da União Soviética) em Manhattan, quando, em 1998, após se desiludir com seu serviço, resolveu se tornar um agente duplo trabalhando para os EUA em troca de uma generosa recompensa de alguns milhões de dólares junto a uma vida nova em local desconhecido para si e sua família.
 Passando por uma breve história de sua família, da avó secretária de Stálin ao pai que lutou no Exército Vermelho,se constrói um personagem que vai do patriotismo e desejo sincero de servir à pátria a um desiludido saudosista. Começando sua carreira como analista técnico da KGB, passando por agente de operações no Canadá enquanto a KGB dava seus últimos suspiros e por fim chefe da missão diplomática russa que servia de fachada ao centro de operações da SVR, Sergei dá um relato privilegiado da guerra de informação, da corrupção internacional, da ingenuidade e arrogância de líderes políticos e do funcionamento,acertos e erros de uma das agências de inteligência mais atuantes e poderosas da história. Contando com detalhes e orgulho casos de embaixadores recrutados como espiões, documentos roubados e chefes de estado enganados, Sergei conta histórias assustadoramente verossímeis sugerindo que figuras como Golda Meir e até Carl Sagan pudessem ser agentes conscientes da KGB, o secretário de estado do governo Clinton como um fantoche manipulado pela SVR, a atuação da SVR como facilitadora do escândalo bilionário de petrodólares chefiado por Saddam Hussein após o término da primeira Guerra do Iraque e a corrupção monumental que se alastrava pela Rússia após o colapso da URSS (que chegou a ser o sétimo país mais corrupto do mundo). Trata-se de uma leitura excelente que relata da mesma maneira agradável a vida juvenil na URSS, o trabalho como um burocrata, a vida íntima da alta cúpula do PC soviético em decadência, especulação geopolítica sobre as reservas de gás do Azerbaijão, bases submarinas canadenses no Ártico e a difusão em massa de informações fabricadas.
Comrade J proporciona uma verdadeira viagem pelo mundo, passa por períodos históricos tão próximos e tão diferentes e vai te fazer desistir de vez de botar qualquer confiança na ONU e entender o porquê os americanos viam comunistas até embaixo de suas camas durante a Guerra Fria. Leitura que informa e diverte muito.

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